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Aceitar vs desistir – quando é que devo deixar ir?

No passado dia 28 de maio estive na Feira do Livro de Lisboa e trago hoje os pontos essenciais que abordei. A palestra parte de um dos capítulos do meu livro: A vida não tem mapa. Neste livro, o leitor navega pelos pontos cardeais, encontrando a possibilidade de aprofundar quatro grandes áreas: filosofias de base para a vida (Norte), ferramentas de apoio (Sul), a relação consigo próprio (Este), e a relação com os outros (Oeste). Cada ponto cardeal prepara a base para o seguinte. Tal como a construção ou leitura de um mapa: ligando todas as coordenadas para que no fim possamos olhar para um percurso que foi feito através do pensar, mas incluindo sempre o sentir.

Aceitar vs desistir

Nesta palestra falei de um dos temas do Norte: aceitar vs desistir. Falei sobre transições, mudança, aceitação, que são grandes desafios que vamos vivendo. A mudança acarreta uma alteração entre dois espaços: o conhecido e o desconhecido. E no corpo, dependendo de pessoa para pessoa (e consciente ou inconscientemente), podem surgir algumas dificuldades. Na zona conhecida o corpo pode estar num estado neutro ou suficientemente seguro. Quando transitamos ou queremos transitar para uma zona desconhecida, somos povoados por pensamentos negativos; emoções que nos inundam (negativas); e podemos ter comportamentos desajustados: como por exemplo: não querer sair de casa; estarmos sempre zangados (e descontamos nas pessoas mais próximas…). Reconhecem aqui alguma coisa? Podemos também estar desmotivados, sem energia, sem esperança…

Inicialmente, quando mudamos e estamos na zona desconhecida podem surgir sensações de insegurança, dúvida, arrependimento, ansiedade… Até que vamos tomando conhecimento dessa zona e ela vai ficando mais segura. Vamos conhecendo os cantos à casa. Existe esta possibilidade e também existe o oposto: aquela pessoa que muda a toda a hora. O desapego é o mais fácil, como se criar raízes fizesse urticária.

Zonas de conforto

Falamos de zona conhecida, mas muitos autores falam em Zona de Conforto. Vygotsky fez um modelo de zona de conforto na aprendizagem (zona de desenvolvimento proximal), mas aqui vamos ver o conceito do ponto de vista da psicologia e da psicoterapia. Aliás, para especificar melhor, vamos ver como esta zona de conforto pode ser um mecanismo de defesa ou uma estratégia. Esta é uma zona segura onde nos barricamos para nos sentirmos bem e longe da dor, do desconforto. O ser humano não gosta nada de dor ou sofrimento. Foge. Já viram que a morte é a coisa mais certa de acontecer e quase nunca se fala nela? Não é fácil, não é?

Então, esta zona de conforto não é necessariamente um espaço físico, embora possa ser para algumas pessoas (como por exemplo a segurança de não sair de casa). É um modo de vida para evitar tudo o que seja doloroso. Mas é também um lugar onde procuramos o prazer: queremos substituir a dor por sensações prazerosas (e fazemos isto através de drogas, álcool, Internet, comida de conforto, tantas coisas).

Qual é a vossa zona de conforto?

Todos temos, a diferença é a disfuncionalidade que pode trazer, ou seja, as áreas de vida que vão ser afetadas. Uma forma de descobrir é pensar em algo que detestam fazer. Escolham algo que não gostam mesmo nada de fazer. Pode ser por exemplo: conhecer pessoas, encontros de famílias ou ficar muito tempo em casa sozinho, entre outras. Como é que se organizam ou organizam a vossa vida para evitar estas situações?

Criamos então uma zona que é um mundo alternativo. Como um autor diz: “é como se fosse um banho quente e prazeroso. Mas quanto mais nos escondemos no banho quente, menos vamos ser capazes de lidar com a água fria do chuveiro da realidade” (Stutz & Michels). É uma boa frase, não é? Deixa imagens e sensações bem vívidas! Ninguém quer o balde de água fria. Mas se a água estiver sempre demasiado quente….

A questão aqui, seja não sairmos da zona conhecida ou só querer mudanças, ou ser uma estratégia de fuga da dor… é: o que eu estou a fazer neste momento com a minha vida: preenche-me? Estou bem assim? Se não: são comportamentos, emoções, pensamentos disfuncionais? Fugir da dor do desconhecido também pode trazer outra dor: a do neutro, do flatline, do ficar na mesma, no mesmo, sempre igual…

Muitas vezes vem uma sensação de resignação: deixar ficar como está. E ficamos num pântano: se nos mexermos muito, ficamos ainda mais atolados. Vamos indo, um dia de cada vez. Mas depois vem uma sensação de vazio, de não se estar a cumprir com algo, os objetivos, questionamos o sentido de vida. E como isto acontece na vida adulta! Nos 30´s, nos 40’s!

Decidir e desistir

Mas há sempre a possibilidade de desistir para encontrar algo diferente. Desistir é decidir não continuar, abdicar de algo. Parte de uma decisão, consciente, ou não, onde deixamos algo para trás. Mesmo que seja uma escolha entre dois caminhos, há sempre um que ficou por conhecer. Muitas vezes damos por nós no caminho que escolhemos a pensar em como seria a paisagem, se a opção tivesse sido outra. E ficamos enredados sem ver por onde caminhamos e a ansiedade leva muitas vezes a isto. Mas não é justo, pois não? É fácil olhar para trás e dizer: “ah devia de ter feito assim ou desta forma”. Agora já temos os dados todos!

Mas para decidir importa ter clareza e a chamada cabeça fria; não convém decidir por impulso (às vezes sim… ); mas no processo de tomada de uma decisão importa clarificar, afastar a confusão e trazer clareza. Não é por acaso que no cartoon quando temos uma boa ideia acende-se uma luz em cima da cabeça: é a luz que chega e nos ilumina com uma possibilidade, um caminho.

De qualquer forma, e de forma abrangente, tomar uma decisão pode ser difícil. Se formos muito ansiosos ou se for uma decisão que poderá mudar rumos, ainda mais desafiante se pode tornar. Mas até mesmo uma decisão explícita como o tal caminho para algum lugar ou as escolhas no supermercado podem revestir-se de complexidade.

Como somos nas decisões?

Para este tema importa, primeiramente, conhecermo-nos: como somos nas decisões? Das mais pequenas e inócuas às tais mais complexas e que mudam rumos? Quanto mais ansiosos formos, maior a dificuldade, incluindo nas decisões mais pequenas. Se a nossa dificuldade se dirige aos outros, vamos nos preocupar em tomar decisões que sejam aceites pela família ou pela sociedade. Se temos atitudes mais passivas, será que deixamos que decidam por nós? E estas são só algumas possibilidades. Então, quem sou eu nas minhas decisões?

Noutras situações não há opções nem decisões a tomar. Ou tomam as decisões por nós ou desistimos, apenas. E muitas vezes a desistência é vista na sociedade como uma fraqueza. E isto é outra questão. Não atingir um objetivo ou não alcançar algo fica arreigado a uma crença de insuficiência. Se, pelo contrário, não desistimos e ficamos em algo que nos causa sofrimento, seja um trabalho que nos esgota ou uma relação que nos intoxica, corremos o risco de nos desgastarmos. Mas é difícil deixar uma relação para trás. É uma incógnita deixar o emprego estável. Então… Quando é que devo deixar ir? Como equilibrar uma balança com tantos pratos?

E na prática?

Em casos mais complexos: psicoterapia, sempre! Principalmente se estamos a falar de perturbações, casos sérios de ansiedade, fobias…

Mas deixo aqui algumas indicações. Que também têm a ver com a aceitação.

  • Temos de trabalhar a relação connosco – aceitar quem somos, o que temos de bom e de mau.
  • Não criticar enquanto não é possível fazer a tal alteração: autocompaixão!
  • Aceitar não significa que vamos desistir de nós ou de quem somos.
  • Se é muito difícil mudar por completo, vamos começar por fazer pequenas mudanças. Gosto da imagem de uma piscina: não precisamos de nos atirar da prancha mais alta e para fora de pé. Podemos ir à beirinha, pelas escadas, pôr um pé, voltar; ir outra vez, descer mais um pouco e voltar. Vamos dando ao corpo a possibilidade de se ir adaptando às mudanças. Com treino vai ser mais fácil ir à prancha.
  • E quando deixamos ir e custa: fazer um luto. Que tem fases. Vamos passar por negação, pela raiva… E num dado momento será possível aceitar (não é sinónimo de que fica fácil, mas pode ficar MAIS fácil).
  • E como as palavras têm força, às vezes ajuda diferenciar entre desistir e deixar ir. Deixar ir é mais desprendido, tranquilo.
  • Para tomar boas decisões é importante existir clareza mental e emocional. Quando há confusão mental ou estamos emocionalmente inundados, é mais difícil tomar decisões e é maior a probabilidade de tomar más decisões e de forma precipitada. Então, uma boa receita para tomar boas decisões é perceber como estamos no campo mental e emocional. E isto não significa que temos de estar num lugar perfeito e zen, aliás, bem difícil seria. E nem sempre é assim tão simples, pois podemos ter de decidir rapidamente. De qualquer forma, é algo que podemos introduzir na nossa vida: esta análise à forma como estamos e a procura de clareza e tranquilidade para podermos fazer as melhores opções.

A necessidade de equilibrarmos todas as esferas da nossa vida

Uma colega minha disse-me há pouco tempo: iluminado no topo da montanha é fácil. Difícil é estar iluminado equilibrando todas as exigências de uma vida normal: casa, trabalho, filhos… Equilibrar tudo isto, é estar verdadeiramente iluminado.

Que seja possível equilibrar tudo, vivendo de forma iluminada no dia-a-dia, nas rotinas e na possibilidade de irmos caminhando!

Artigo de Ana Caeiro, autora do livro “A vida não tem mapa- 4 pontos cardeais para construir um rumo“.